quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Caos

Inimigo azul
de mar bravio
composto de tempestades desarmadas
escorre pelo meu corpo indolor.

Inimigo água
de desaguar intenso
de intolerância vil
na transbordante margem,

me sangre noite
até o romper do dia,

me quebre em passos
até o nunca mais.

Clarice Shaw

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Mar Remoto

Atrás da linha submersa da noite
- onde o infinito velado no mar
abraça o infinito inexaurível do céu -
abriga-se algo restrito
em sonho ou pensamento disperso
nas lembranças que se mantém esquecidas.

Superfície além de qualquer toque,
imensidão que não se contém.

Talvez algo em mim vague
em meio a estas sombras incautas,
num tempo e espaço guardados
longe de tudo que pretendo agora ser.

Algo que se deixa preencher
silente em seu próprio vazio,
que se cobre no som da eternidade
imerso nas sincopadas vagas
e se desprende
na profundidade efêmera da espuma.

Clarice Shaw

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sobrevida

Conheço o som dos teus passos
que passam por ruas sombrias,
por casas vazias
por onde não ando.

Conheço a sonolência muda da noite
que se guarda em ti.

Conheço a esperança dessas frases
que se escondem no silêncio,
se principiam e metamorfoses
e morrem na própria incoerência.

Conheço-me
quando te vejo partir.

Eis diante do tempo a minha dor
imensa,
imutável.
Eis a minha dormência, inelutável.

Conheço a tua chegada
quando não tenho mais nada
diante de mim
(e assim recomeço do fim).

Dou-te meus sonhos
profanos, ocultos.

Dou-te as pegadas
deste reconhecido vulto.

Dou-te o sangue
de quem um dia foi forte.

Dou-te as lágrimas
de quem sobreviveu às tuas mortes.


Clarice Shaw.
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